v. 1 n. 1 (2008): Revista de Saúde Pública de Santa Catarina
20 ANOS DE SUS – TEMOS O QUE COMEMORAR?
A sociedade brasileira, que celebra neste 2008, os vinte anos de existência do Sistema Único de Saúde (SUS), criado por promulgação histórica da Constituição em 1988, certamente sabe que o SUS ainda não é o sistema perfeito que a sociedade exige. Entretanto, poucos lembram o que havia antes de 1988. Esse período de vinte anos foi marcado por tantas transformações que parece longínquo no tempo o dia em que o saudoso Dr. Ulisses Guimarães promulgou a Constituição. É pela realidade transformada que celebramos o SUS. E também por tudo o que precisamos fazer para fazer dele uma política de saúde que resgate a saúde como direito efetivo de cidadania. Apenas para lembrar, em 1988 a situação de saúde da população brasileira era, muito pior do que a que tem hoje. Epidemias e endemias sem controle eram comuns nessa época, com o agravante de que durante a ditadura a imprensa não podia divulgá-las. A população era tratada de forma desigual: os ricos faziam uso de serviços privados. Os trabalhadores formais (com carteira assinada) tinham o INAMPS para atender suas necessidades nas grandes cidades. Os menos favorecidos, a grande maioria da população, procuravam os poucos postos de saúde existentes e conviviam com o constrangimento da atenção oferecida aos indigentes. O sistema de saúde era centralizado. As mesmas normas, sempre emanadas de Brasília, valiam para todo o país, independentemente da realidade local. Em contrapartida, centenas de subsistemas públicos e privados competiam pela atenção de subpopulações diversas, com flagrante desigualdade na oferta de serviços. O financiamento do sistema, fortemente dependente do desempenho do seguro social, era instável e dependia das sobras eventuais da previdência para a cobertura de necessidades sempre além do disponível. A população era o problema do sistema de saúde dicotomizado, tecno burocratizado e médico centrado. A insatisfação e o desespero se expressavam em cartazes e chamamentos patéticos em todas as esquinas solicitando auxílio e caridade pública para viabilizar cirurgias e tratamentos para crianças e adultos. Os princípios da universalidade, equidade, integralidade e participação popular com diretrizes de organização descentralizada, regionalizada e hierarquizada não estão plenamente consolidados no país. Entretanto, poucas iniciativas políticas no país da exclusão, da desigualdade, da fragmentação e do centralismo podem ser avaliadas de forma tão positiva após vinte anos de implementação quanto o SUS. Erradicação de doenças como a poliomielite e o sarampo, ampliação da oferta de serviços simples como uma vacina e complexos como cirurgias cardíacas, universalização do acesso através da expansão da Estratégia Saúde da Família, esperança para milhares de transplantados, atendimento integral para os doentes com AIDS, organização da atenção móvel às urgências de saúde e controle efetivo sobre muitos dos determinantes epidemiológico-sanitários da saúde pela qualificação crescente das ações de vigilância em saúde são apenas algumas das iniciativas bem sucedidas do SUS. É por isso que estamos celebrando o SUS. O direito à saúde não é mais um sonho. É um projeto em construção.
Carmen Emília Bonfá Zanotto
Secretária de Estado da Saúde de Santa Catarina